Sinto...
Sinto...
Sim. Eu negarei tudo, se me perguntarem,
de vez que te interessa negar o que aconteceu,
menos o afeto que trago como um troféu
de ter sido o teu mais efêmero amor,
erro de uma única e breve vez.
Sei bem que dirás que minto
(e pode ser verdade),
por minha memória ser fragmentada,
estilhaçada, destruída
por tanto amor que dei.
Reinaste em mim,
como uma rainha absoluta,
guia da criança perdida
numa misteriosa gruta
que me atordoava
e me convertia num amante sacerdote,
que venerava sua deusa
com beijos sobre o ventre,
com carícias brutas e delicadas,
com uma paixão desenfreada,
com os dedos em delírio
e uma sofreguidão incessante,
tocando músicas inexistentes no teu corpo
que tremia como se estivesse em agonia.
Em agonia, nem sabia,
era eu que estava.
Antes de ti,
com certeza, estava morto.
Pena que, depois de ti, também.
Pode dizer o que quiseres.
Eu negarei, é claro,
porque tu queres,
porém, hás te lembrar
mesmo tudo tendo sido
muito rápido, célere, veloz,
da saciedade e da plenitude,
que permaneceu em nós,
como me disse um dia,
apesar de tanto tempo.
E se a boca mente,
a mente sempre sabe
distinguir entre a mentira e a verdade.
Podes negar tudo:
menos aquele momento de felicidade!
Ilustração: Wedfoto.net.
POESIA
Do último canto, Garzanti, 1991
Eu não sei quando vai amanhecer
não sei quando posso
caminhar pelas ruas do teu paraíso
Não sei quando os sentidos
pararão de gemer
e o coração suportará a luz.
E a mente (oh, a mente!)
já embriagada será
finalmente calma
e lúcida:
e poderei ver o teu rosto
sem corar.
David Maria Turoldo
Depois do amor
Gosto quando,
QUANDO EU AINDA SOU A VIDA
A vida me rodeia, como naqueles anos
já perdidos, com o mesmo esplendor
de um mundo eterno. A rosa cortada
do mar, as luzes caídas
dos pomares, o fragor das pombas
no ar, a vida em torno de mim,
quando ainda sou vida.
Com o mesmo esplendor e envelhecidos olhos,
e um amor fatigado.
Qual será a esperança? Viver ainda;
e amar, enquanto se esgota o coração,
um mundo fiel, embora perecível.
Amando o sonho roto da vida
e, ainda que não pudesse ser, não maldizer
aquele antigo engano do eterno.
E o peito se consola, porque sabe
que o mundo pode ser uma bela verdade.
Francisco Brines
Abraça-me
(do) amor...