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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

- Clarice Lispector ' Um Sopro de Vida '

  Ela é tão livre que um dia será presa.


- Presa por quê ?
- Por excesso de liberdade.
- Mas essa liberdade é inocente ?
- É . Até mesmo ingênua.
- Então por que a prisão ?
- Porque a liberdade ofende.

- Clarice Lispector ' Um Sopro de Vida '




domingo, 17 de novembro de 2024

in "Poesia de Álvaro de Campos"


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in "Poesia de Álvaro de Campos"
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Esta velha angústia,

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
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Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.
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Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos
Estou assim...
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Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
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Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
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Estala, coração de vidro pintado!
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Art _ Salvador Dali




sábado, 16 de novembro de 2024

FERNANDO CAMPOS de CASTRO

 POESIA



NAS TUAS MÃOS 


AS TUAS MÃOS AMOR SÃO COMO ASAS

ONDE INVENTO ESTE VOO SEM TER FIM

NUMA FUGA DE SONHO SOBRE AS CASAS

COM QUE CHEGO MAIS LONGE

ALÉM DE MIM

NELAS PERCORRO O TEMPO E A DISTÂNCIA 

ENTRE O QUERER SER HOJE

E REGRESSAR COM TUAS MÃOS AMOR

À MINHA INFÂNCIA

DONDE NÃO TENHO PRESSA DE VOLTAR

PARA MATAR A SEDE E O DESGOSTO

E GANHARMOS DE NOVO ESSA ALEGRIA

BEBEREMOS MIL TAÇAS DE SOL POSTO

SOBRE UM MAR DE SILÊNCIO 

E FANTASIA

NAS TUAS MÃOS ALADAS DE TERNURA

HEI - DE VOLTAR AO TEMPO DA PARTIDA

MAS SÓ DEPOIS AMOR DE NESTA LOUCURA 

TERMOS CHEGADO LÁ LONGE

ALÉM DA VIDA .


FERNANDO CAMPOS de CASTRO


DO LIVRO " VIOLAÇÃO da NOITE "  /  POEMAS


PAG. 67





sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Nov



Há cidades acesas na distância, 
Magnéticas e fundas como luas, 
Descampados em flor e negras ruas 
Cheias de exaltação e ressonância. 

Há cidades acesas cujo lume 
Destrói a insegurança dos meus passos, 
E o anjo do real abre os seus braços 
Em nardos que me matam de perfume. 

E eu tenho de partir para saber 
Quem sou, para saber qual é o nome 
Do profundo existir que me consome 
Neste país de névoa e de não ser.


Sophia de Mello Breyner Andresen






quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Thomas Moore

 

novembro





No meio da noite, quando as estrelas choram, eu voo 
Para o vale solitário que amávamos, quando a vida brilhava quente em teus olhos; 
E penso muitas vezes, se os espíritos podem roubar das regiões do ar, 
Para revisitar cenas passadas de deleite, você virá até mim lá, 
E me diga que nosso amor é lembrado, até no céu. 

Então eu canto a canção selvagem que antigamente era um prazer ouvir! 
Quando nossas vozes se misturavam, respiravam como uma só, no ouvido; 
E, enquanto ecoa ao longe através do vale minha triste oração rola, 
Eu penso, oh meu amor! É a tua voz do Reino das Almas, 
Ainda respondendo fracamente às notas que antes eram tão queridas.


Thomas Moore 









quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Luís Corredoura

 Desconhecimento

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Se crês saber o que é amor, não me conheces,
Ignoras por completo quem te venera,
O que por ti a sua própria vida depaupera
Ao fazer desse teu nome sagradas preces.
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Se crês saber o que é paixão, mais mereces
Ou maior empenho de quem há muito espera
De ti obter tão-só aquilo que considera
Ser a cura do mal com que m'enlouqueces.
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Se crês saber sentir, deixa que tal me domine,
Que as tuas mãos e as minhas se orientem
P’lo teu corpo e p’lo que nele bem se define,
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Formas nas quais certas ânsias se pressentem
Para que o que de ti quero nunca termine,
Nem que para sempre certas mágoas m’atormentem.
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Luís Corredoura dixit ©




POETA , nascido em SINTRA

Luís Corredoura nasceu em Pêro Pinheiro, concelho de Sintra. É licenciado em Arquitetura e Mestre em Recuperação do Património Arquitetónico e Paisagístico. 



terça-feira, 12 de novembro de 2024

Fernando Campos de Castro

 Bom dia para si.

CATIVA DE UM BEIJO


Cativa dum beijo corri meio mundo
Andei por cidades que não entendia
Lutei no mar alto imenso e profundo
No barco sereno da tua alegria
Passei por mil terras vendendo meus sonhos
Mas não consegui qualquer sonhador
Porque nos meus olhos cresciam tristonhos
Mil beijos cativos pelo teu amor
Cativa de um beijo que fora negado
Cansei por caminhos distantes sem fim
Mordi o silêncio nas veias dum fado
E pelo teu rosto perdi-me de mim
Lancei os meus braços a braços que ardiam
Mas não consegui prendê-los nos meus
Por que nos meus lábios mil beijos morriam
Cansados, cativos à espera dos teus

Fernando Campos de Castro