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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Hamilton Ramos Afonso //// A tua boca


A tua boca…

 A tua boca,
minha tentação
 quando
 olhando teu rosto
 se escancara
num sorriso,
naquele gaiato sorriso
com que me trazes
 enfeitiçado…

 Duas tentadoras gomas
 franqueiam-me o caminho,
 para o seu interior,
transformando-a
no salão de baile
 onde nossas línguas,
traquinas e irreverentes,
 dançam
 a valsa do amor…

 Hamilton Ramos Afonso  





Vasco Teixeira

Era assim, um caminho
 Bordado a oiro,
 Guiado pelo sol
Do meio-dia,
 Que te escorre o rosto!
 Que esconde
 Esse olhar manso?
 A noite, a luz
 Ou o cansaço
 De mil sufocos
 De teu pranto?
 Tua pele,
 Hialina,
Frondosa,
De canela
 Velada!
 Lábios
 Lentos,
 E sedentos,
 De saliva
 Perfumados!
 E no ar
 Entregas o gesto,
 E dás-te em amor
 Como num manifesto!
 Semi-presente.
 Semi-ausente.
 Teu denso espaço
 Murmurando,
 …………………….
 O que fica do silêncio!


 Vasco Teixeira 




domingo, 28 de junho de 2015

SÃO REIS //// SOU.....








bom domingo bjo



Sou os sonhos que ninguem leva
quando nasce o dia
a cama feita de nadas
o patamar esconso de uma estrada
feita de nuvens e sonhos

Sou o mar revolto batendo contra a falésia
erguendo impotente a fúria
galgando flores
o copo meio cheio de vida
meio vazio dela
saco de memórias pontilhadas
a momentos efemeramente felizes
Sou a terra húmida onde germinam flores
colocada em poisio sabe-se lá porquê
o canteiro de flores vivas
agarradas a nuvens feitas de algodão
Sou a porta do céu e a entrada do inferno
a lágrima e o sorriso num único olhar
e sou aquela a quem a vida engole
rumina e corrói devagar
pisando estrelas
olhando o chegar da noite
enquanto o dia se deita devagarinho
com medo de a assustar
Sou a cal viva
comendo por dentro e por fora
todas as palavras de um poema por escrever


são reis
16jun15  




Foto de Katia Silva.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Helena Guimaraes //// Perdida

PERDIDA


Vem…
Dá-me a tua mão.
Plano no infinito,
minhas asas
adejam na bruma do horizonte,
perla-se-me  a fronte
de gotas de impotência.
Voo sem rumo
no sol que se reflecte no mar
sem encontrar o universo.
Esta incapacidade de um verso!
Este voar na fímbria das coisas!
Onde está minha nau
e meu sextante?
Perdi-me de ti.
O sol viaja para poente,
tudo tem regra, tudo é consequente.
Eu adejo as asas
Misturadas com a bruma
sem seguir coisa nenhuma.
E percorro de memória
o teu seu ausente.

Helena  Guimaraes   


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Manuel António Pina //// Regresso

Regresso

Regresso devagar ao teu
 sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
 não é nada comigo. Distraído percorro
 o caminho familiar da saudade,
 pequeninas coisas me prendem,
 uma tarde num café, um livro. Devagar
 te amo e às vezes depressa,
 meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
 regresso devagar a tua casa,
 compro um livro, entro no
 amor como em casa.

 
Manuel António Pina  

        

terça-feira, 23 de junho de 2015

Paul Éluard //// A curva dos teus olhos

 


A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Éluard

 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Pablo Neruda //// Quero apenas cinco coisas



 Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos. Não quero dormir sem teus olhos
Não quero ser… sem que me olhes
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

 Pablo Neruda  




Foto de Antonio Maria.


sábado, 20 de junho de 2015

Albino Santos


Não sei porquê
 hoje lembrou-me que
 puzeste na mesa
 aquela toalha de linho
 onde as papoilas vermelhas
 são beijadas pelo sol bordado
 que te sai das mãos!...
 Quis afastar esse pensamento
 e fui até à margem do rio,
 junto das margaridas que tanto gostavas...

 Dei por mim a relembrar os tempos idos,
 os nossos segredos,
 os sonhos perdidos,
 as histórias de amor,
 os dias mais felizes...
 E tudo parece que rebrilha
 como pedrinhas de cor
 entre as raízes...
 Quem sabe, amanhã será primavera!...


 Albino Santos 

terça-feira, 16 de junho de 2015

são reis


Queria voltar aos teus abraços
 ao rio feito corpo que eu conheço
 à pedra toque do teu olhar
 às tuas mãos feitas algas
 que me curavam todas as feridas

 Queria voltar à terra que me viu nascer
 ao baloiço que me acompanhou
 à escola que me ensinou
 ao chão que me viu crescer
 Queria morrer de novo para voltar
 quem sabe me acolherias
 e de novo descobririas
 essa estranha forma de amar
 que se sustenta no vazio
 que aquece quem tem frio
 e silente se arrasta
 que goteja na pele
 e a desgasta
 que ama sem tocar
 que vai ardendo devagar
 sonhando contigo
 Estranha canção essa de amigo
 inefável refrão
 que de tão verdadeiro
me tira a razão
 por inteiro
 Queria voltar a esse olhar
 que tão bem me conhecia
 que me via
 sem me ver
 e me amava sem me ter
 E queria...oh como queria....
 regressar atrás no tempo
 e dizer-te como lamento
 ter inibido os meus abraços
 e não te ter mostrado
 como deveria
 que também se rezam avé-marias
 e se suplica a esperança
 mesmo quando o abraço amado
 não passa de um sonho
mal sonhado
 no nosso olhar ainda criança!...


 são reis   




EDGARDO XAVIER ///// AMAR É CRESCER POR DENTRO



 
 Contigo todas as palavras
 São de renda ou de cristal
 Contigo vestem-se de prata as manhãs
 e as horas
 Suspendem-se dos teus olhos
 Imóveis
 Como fotos do tempo

 Sou a pedra em que te apoias
 Acordo ao som do teu nome
 E cego para tudo o que não seja
 A luz que vem de ti
 Cantam em mim as tuas alegrias
 Soam cá dentro as tuas mágoas
 Sou toque de ave-marias
 Sou som de todas as águas
 Sou o arrepio das folhas
 Na bebedeira do vento
 Amar é ser tudo isto
 Amar é crescer por dentro
 


EDGARDO XAVIER

 in CORPO DE ABRIGO (Tema Originais, 2011)  





segunda-feira, 15 de junho de 2015

Manuel Alegre

Gostava de morar na tua pele
desintegrar-me em ti e reintegrar-me
não este exílio escrito no papel
por não poder ser carne em tua carne.
...
Gostava de fazer o que tu queres
ser alma em tua alma em um só corpo
não o perto e o distante entre dois seres
não este haver sempre um e sempre o outro.
Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
seremos sempre dois sendo só um.
Por isso esta ferida que faz bem
este prazer que dói como outro algum
e este estar-se tão dentro e sempre aquém.
 
 
Manuel Alegre





sábado, 13 de junho de 2015

Nuno Júdice

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
 puxaste-me para os teus olhos
 transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
 ainda apanhámos o crepúsculo.
 As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
 diferente inundava a cidade. Sentei-me
 nos degraus do cais, em silêncio.
 Lembro-me do som dos teus passos,
 uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
 e a tua figura luminosa atravessando a praça
 até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
 o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
 continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
 essa doente sensação que
 me deixaste como amada
 recordação.

 Nuno Júdice  


sexta-feira, 12 de junho de 2015

Charlin Chaplin ///// sORRI

Sorri


Sorri
quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
 
Sorri
quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
 
Sorri
Quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos
 
Sorri
Vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz.


Charlin Chaplin  


Florbela Espanca

Batizada com o nome de Flor Bela Lobo, esta poetisa portuguesa, mais conhecida por Florbela Espanca, nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo, em 8 de dezembro de 1894 e morreu no dia 8 de dezembro de 1930, em Matosinhos, com apenas 36 anos de idade.
 

 
Nasceu filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antónia Conceição Lobo, criada de servir (como se dizia na época), e morreu precocemente aos 36 anos de idade, "de uma doença que ninguém entendeu", mas que veio designada na certidão de óbito como nevrose. Registada como filha de pai incógnito, foi todavia educada pelo pai e pela madrasta, Mariana Espanca, em Vila Viçosa, tal como o seu irmão de sangue, Apeles Espanca, nascido em 1897 e registado da mesma maneira.
 


Note-se, como curiosidade, que o pai, que sempre a acompanhou, só 19 anos após a morte da poetisa, por altura da inauguração do seu busto em Évora, e por insistência de um grupo de florbelianos, a perfilhou.
 


Florbela estudou no liceu de Évora, mas só depois do seu casamento (1913) com Alberto Moutinho concluíu, em 1917, a secção de Letras do Curso dos Liceus. Em Outubro desse mesmo ano matriculou-se na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que passou a frequentar. Na capital, contactou com outros poetas da época e com o grupo de mulheres escritoras que, à altura, procurava impor-se. Colaborou em jornais e revistas, entre as quais o Portugal Feminino.
 

 
Em 1919, quando frequentava o terceiro ano de Direito, publicou a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas. Em 1921 divorciou-de de Alberto Moutinho, de quem vivia separada há alguns anos, e voltou a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. O seu pai também se divorciou nesse ano, para casar, no ano seguinte, com Henriqueta Almeida. Em 1923, publicou o Livro de Soror Saudade. E em 1925 Florbela casou-se pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos.
 


Os casamentos falhados, assim como as desilusões amorosas, em geral, assim como a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem Florbela estava ligada por fortes laços afetivos), num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e a sua obra. Em dezembro de 1930, agravados os  seus problemas de saúde, sobretudo do foro psicológico, Florbela Espanca faleceu em Matosinhos, e após duas tentativas frustradas de suicídio. Na altura foi oficialmente apresentada como causa da morte, um "edema pulmonar".
 


A poetisa faleceu no dia do seu 36.º aniversário, na realidade após a ingestão de uma exagerada dose de barbitúricos. Na carta que deixou com as suas últimas disposições, Florbela deixou o pedido de colocar, no seu caixão, os restos do avião pilotado por seu irmão Apeles, na hora do acidente que o vitimou.
 

 
Florbela Espanca jaz, desde 17 de maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, sua terra natal.
 


Postumamente foram publicadas as obras Charneca em Flor (1930), Cartas de Florbela Espanca, por Guido

Battelli (1930), Juvenília (1930), As Marcas do Destino (1931,contos), Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949) e Diário do Último Ano Seguido de Um Poema sem Título, com prefácio de Natália Correia (1981). O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro, várias vezes anunciado (1931, 1967), seria publicado em 1982).



A poesia de Florbela Espanca caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito. A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza.
 


Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neo-romantismo e de certos poetas de fim de século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas, a que foi alheia. Pelo carácter confessional, sentimental, da sua poesia, segue a linha de António Nobre, facto reconhecido pela própria poetisa. Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou, é, sobretudo, influência de Antero de Quental e, mais longinquamente, de Camões.
 


Poetisa de excessos, cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina,em que alguns críticos encontram dom joanismo no feminino. A sua poesia, mesmo pecando por vezes por algum convencionalismo, suscita o interesse e atenção contínuos de leitores e investigadores.
 


É tida como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX.






"Amo-te!" Cinco
letras pequeninas,

Um poema de amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...






quarta-feira, 10 de junho de 2015

Salvador Arnau //// Ya no te siento

Uma poesia de Salvador Arnau
 
 
 
 
Ya no te siento
 
 
Salvador Arnau
 
 
No me mientas, no digas que fue sueño,

no escondas tu mirada de la mía,

no intentes refugiarte de la dicha

que un día me entregaste sin saberlo.
 
 
No importa, ya no quiero echar el leño

que ardía en aquel fuego de energía,

amando a cielo abierto y la alegría

que irradiaban tus ojos sin quererlo.
 
 
No vuelvas a decir: "ya no te siento";

tampoco me arrepiento, ya no hay prisa

por esperar tu amor en cada esquina,

por sentir el calor de tu silencio.

 

Já não te sinto
 

Não me mintas, não digas que foi sonho,
não escondas o teu olhar no meu,
não procures te refugiar na fantasia

de que um dia me entregaste sem sabê-lo.
 
 
Não importa, já não quero achar o lenho

que naquele fogo de energia ardeu,
amando a céu aberto e com a alegria

que irradiavam teus olhos sem querê-lo.
 
 
Não voltes a dizer: “já não te sinto”;

tampouco me arrependo, já não há pressa

por esperar teu amor em cada esquina,
por sentir o calor de teu silêncio. 
 
Salvador Arnau 
 
 
 

terça-feira, 9 de junho de 2015

são reis ///// Queria.......


Queria voltar aos teus abraços
 ao rio feito corpo que eu conheço
 à pedra toque do teu olhar
 às tuas mãos feitas algas
 que me curavam todas as feridas

 Queria voltar à terra que me viu nascer
 ao baloiço que me acompanhou
 à escola que me ensinou
 ao chão que me viu crescer
 Queria morrer de novo para voltar
 quem sabe me acolherias
 e de novo descobririas
 essa estranha forma de amar
 que se sustenta no vazio
 que aquece quem tem frio
 e silente se arrasta
 que goteja na pele
 e a desgasta
 que ama sem tocar
 que vai ardendo devagar
 sonhando contigo
 Estranha canção essa de amigo
 inefável refrão
 que de tão verdadeiro
me tira a razão
 por inteiro
 Queria voltar a esse olhar
 que tão bem me conhecia
 que me via
 sem me ver
 e me amava sem me ter
 E queria...oh como queria....
 regressar atrás no tempo
 e dizer-te como lamento
 ter inibido os meus abraços
 e não te ter mostrado
 como deveria
 que também se rezam avé-marias
 e se suplica a esperança
 mesmo quando o abraço amado
 não passa de um sonho
mal sonhado
 no nosso olhar ainda criança!...


 são reis 




segunda-feira, 8 de junho de 2015

carlos lacerda ///// Fome.....

FOME ....



Sinto ;
que lá no teu fundo ;
queres a minha boca
para me dizeres
ama-me....estou louca........
e sem respirar
sentires-te mulher lume
a suspirar
sem queixume.........
matando uma fome
que te consome
p'ra esqueceres
a outra fome
que há muito em ti mora
fazendo-te chorar por dentro
e sorrir por fora.!

carlos lacerda
05. junho. 2015 





sábado, 6 de junho de 2015

são reis ///// Não posso ouvir o teu silêncio!




Não posso ouvir o teu silêncio!





 Admiti-lo é assumir que te ausentaste
 que te passeias
aonde eu te procuro
 e que só a noite me faz companhia

 Guio-me pelo mapa do corpo
 que já foi meu
 e alcanço a fronteira
 para a intemporalidade
 onde nada se move
e nada dói
 só a saudade escorre
 só a saudade corrói
 E é incerto e breve esse sonho
 que me alimenta
 como o são as mãos que são só minhas
 que se guiam cegas sozinhas
 pelo labirinto escuro
 onde eu permaneço
 e onde tropeço
 em cada lembrança tua
 Breve é aquilo que nos reúne
 e tão longo aquilo que nos afasta


 são reis

sexta-feira, 5 de junho de 2015

David Mourão-Ferreira //// Penélope



 “Penélope”



 Mais do que um sonho: comoção!
 Sinto-me tonto, enternecido,
 quando, de noite, as minhas mãos
 são o teu único vestido.

 E recompões com essa veste,
 que eu, sem saber, tinha tecido,
 todo o pudor que desfizeste
 como uma teia sem sentido;
 todo o pudor que desfizeste
 a meu pedido.
 Mas nesse manto que desfias,
 e que depois voltas a pôr,
 eu reconheço os melhores dias
 do nosso amor.

David Mourão-Ferreira   




terça-feira, 2 de junho de 2015

Laura Santos ///// Sinto a tua falta

Sinto a tua falta
 
 
 
                                                                  
                                        Sinto a tua falta

                                       quando
                                         no mofo dos dias
                                         os braços da aurora me acordam
                                         e do peito uma ave se solta em voo de luz
                                         em direcção à nora
                                         onde os meus olhos bebem a manhã
                                         na névoa do velho alcatruz.

                                       Quando
                                          os raios do meio-dia escorrem
                                          pelas paredes num lamento
                                          e o calor refugiado na sombra
                                          não me refresca o pensamento
                                          na hora dorida que se arrasta
                                          sem vontade de morrer na lonjura
                                          que de ti me afasta.
                                          E é vertical a tua lembrança
                                          caindo a prumo. Transportando
                                          para as masmorras da esperança
                                          a escuridão da noite e a voz
                                          que permanece muda
                                          no atalho da distância.
                                          O brilho das coisas raras esconde-se
                                          na seiva dos lírios e num desejo
                                          feito cobiça de águas invioladas
                                          onde se atrevem temerários sonhos;
                                          os últimos sobreviventes
                                          do amor e da morte. Reféns
                                          suspensos de grandes asas
                                          que se despenham fazendo estremecer
                                          os alicerces dos homens e das casas.
                                          Apanho-os do chão, labareda feita água
                                          na plenitude do nada, dura solidez
                                          em que me sinto e me distraio
                              
                                       quando
                                          atravesso o rio e os meus passos
                                          lentamente marginais
                                          não alcançam como dantes
                                          os desígnios dos espaços siderais
                                          e uma nota em dó menor
                                          atormenta o sono das pedras.

                                       Quando
                                          ao cair da tarde uma folha seca
                                          soa em corrupio no vento
                                          e desaparece sem o regresso
                                          do sol ao firmamento.
Laura Santos  




 Foto de Nancy Wilde

segunda-feira, 1 de junho de 2015

VASCO GRAÇA MOURA //// SONETO DO AMOR E DA MORTE





quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

VASCO GRAÇA MOURA

in ANTOLOGIA DOS SESSENTA ANOS (Ed. Asa, 2002)  


Mia Couto //// O amor, meu amor....

O Amor, Meu Amor
Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.
Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.
E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.
E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.
Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.
Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.
Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.
E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.
E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.
Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto